Ele ergue-se e sobre o rosto pálido, beijando-lhe os olhos cerrados, pensou: ela julga pedir e não sabe quanto dá, fugiu para mim do seu isolamento e não pressente o meu. Só agora a via, aquela ao lado de quem estivera sentado toda a tarde, cego; e viu que tinha mãos e dedos compridos e esguios, lindos ombros, um rosto cheio de medo destinal, de cega ânsia infantil e um saber quase receoso dos deliciosos caminhos e artes da ternura.
«Ele e o Outro» («Klein und Wagner»). Hermann Hesse. Guimarães & C.ª Editores. 1979.
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Novamente o percorreu um sentimento de felicidade, de calma e segurança do coração, maravilhoso e cheio de delícias para quem sabia o que era angústia e pavor. Lebrava-se de uma frase da sua infância. Falava-se, entre companheiros de escola, do segredo dos acrobatas, que sabiam andar sem medo e firmemente sobre o arame. E um de entre os rapazes dissera: «se fizeres no teu quarto um risco a giz, terás tanta dificuldade em andar sobre ele como sobre o mais fino arame. E, contudo, pisamo-lo seguramente porque não há perigo. Se imaginares que o arame é um risco de giz e o ar de ambos os lados é o chão, podes andar sobre qualquer fio.» Viera-lhe esta frase à mente. Como era bela! Não se teria passado, com ele, justamente o contrário? Isto é, não poder andar seguro e firme sobre o chão plano, porque o tomava por um fio de arame?
«Ele e o Outro» («Klein und Wagner»). Hermann Hesse. Guimarães & C.ª Editores. 1979.